terça-feira, 14 de novembro de 2017

Esquema para justificar troca de tornozeleira eletrônica de ex-prefeito de Catende envolve políticos, diz polícia

A Polícia Civil descobriu que políticos e secretários do governo estadual ajudaram o ex-prefeito de Catende, Otacílio Alves Cordeiro (PSB), a omitir que a tornozeleira eletrônica utilizada por ele durante a prisão domiciliar foi trocada mesmo sem apresentar defeito. O ex-chefe da administração desse município da Zona da Mata Sul de Pernambuco foi um dos presos da Operação Tsunami, deflagrada em junho de 2016, e deixou de cumprir a determinação judicial para usar o dispositivo de monitoramento, segundo a corporação. 

Durante o período da operação, Otacílio foi acusado pela Polícia Civil de ter desviado R$ 15 milhões de contratos de licitações. Na época, os policiais encontraram, na casa do prefeito e no posto de gasolina do filho dele, armas e R$ 1 milhão. Também foram apreendidos documentos de operações bancárias. Ao receber voz de prisão, o político passou mal e foi socorrido para um hospital no Recife em uma ambulância.

Depois de ser preso, Otacílio Alves Cordeiro passou 19 dias no Centro de Observação e Triagem Professor Everaldo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife. De acordo com a defesa dele, o ex-gestor do município de Catende tinha problemas de saúde, era idoso e podia esperar o julgamento do processo em prisão domiciliar. Com o pedido acatado pela Justiça, Otacílio seguiu para casa com uma tornozeleira eletrônica, para ser monitorado pela Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres).

De acordo com um documento da Seres, a tornozeleira eletrônica usada pelo ex-prefeito estava sem o sinal de localização no dia 5 de julho porque Otacílio não estaria carregando a bateria do equipamento. No dia 6 do mesmo mês, ele foi chamado ao Centro de Monitoramento de Reeducandos, no Recife, e foi advertido sobre as violações nas regras de monitoramento.

No mesmo documento da Seres, o secretário executivo de ressocialização, Cícero Márcio, afirmou que, apesar de não haver nenhum defeito na tornozeleira eletrônica, foi realizada a troca do equipamento por uma questão administrativa. Dessa forma, Otacílio voltou para casa com um novo dispositivo. No dia 13 de julho, segundo a Seres, o novo equipamento deixou de funcionar e, por 20 minutos, o ex-prefeito não foi localizado. Diante disso, a prisão domiciliar foi revogada e ele voltou para o Cotel.

Investigações policiais

Com a chegada desses documentos ao Fórum Thomás de Aquino, no Recife, a Polícia Civil descobriu a interferência de políticos e secretários do governo a favor do ex-prefeito de Catende. No inquérito policial, o filho de Otacílio, Paulo Cordeiro, pediu ao secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, um ofício dizendo que houve a troca da tornozeleira. O documento, no entanto, não saiu da forma desejada pelo parente do ex-gestor.

Ainda no inquérito da Polícia Civil, o secretário executivo de Ressocialização, Cícero Márcio de Souza Rodrigues, disse que não atendeu ao pedido de Paulo Cordeiro, mas depois, a pedido de Pedro Eurico, retirou a frase que “desagradava o ex-prefeito de Catende”.

Em depoimento, Cícero Rodrigues afirmou que ele e Pedro Eurico chegaram a um consenso para retirar a frase “apesar de não haver nenhum defeito técnico, por uma questão de rotina administrativa, foi realizada a troca de equipamento de monitoramento”. Eles também concordaram que o novo ofício teria a mesma data do primeiro documento, emitido em 15 de julho de 2016.

No texto do segundo documento, o motivo da troca do equipamento não fica claro. Segundo as investigações, o filho do ex-prefeito, Pedro Cordeiro, recebeu a ajuda de um coronel aposentado da Polícia Militar, Adalberto Carvalho de Souza, e de Geílson Sátiro dos Santos e André Magno Guimarães, ambos funcionários de uma empresa que presta serviço ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, para que eles trocassem os documentos.

De acordo com o inquérito, os dois funcionários, procurados pelo oficial, não efetuaram a troca. Ao final das investigações, a polícia indiciou o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico; o secretário executivo de Ressocialização, Cícero Rodrigues; o filho do ex-prefeito de Catende, Paulo Cordeiro; o coronel Adalberto Carvalho de Souza e os funcionários da prestadora de serviço ao TJPE, Geílson Sátiro e André Magno.

O processo foi remetido ao Ministério Público e, na decisão enviada ao Tribunal de Justiça, o subprocurador geral do estado, Clênio Valença Avelino de Andrade, denunciou os indiciados por organização criminosa. O secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, não foi indiciado por falta de provas, segundo o MPPE.

Respostas

Procurado pela reportagem, o secretário executivo de ressocialização, Cícero Márcio de Souza Rodrigues, não quis falar sobre o assunto, e afirmou que o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, poderia falar por ele.

“Eu fui procurado pelos advogados no meu gabinete e o que foi solicitado é que se declarasse claramente, de forma inequívoca, que a tornozeleira estava sem defeito. Depois identificamos que havia um defeito e a empresa corroborou com essa afirmativa, daí porque se fez um novo documento”, explica Pedro Eurico.

Ainda segundo o secretário, a preparação de um novo documento não teve o objetivo de privilegiar o ex-prefeito de Catende. “Não houve nenhuma tentativa de beneficiar ou privilegiar quem quer que seja. Neste caso, estou muito à vontade porque fui excluído, porque se comprovou claramente que não pratiquei nenhum ilícito”, assegura.

A reportagem não conseguiu contato com o coronel Adalberto Carvalho de Souza e com os funcionários da empresa que presta serviço ao TJPE, Geílson Sátiro dos Santos e André Magno Guimarães dos Santos.

Por meio de nota, o Tribunal de Justiça afirmou que, enquanto não há decisão referente ao recebimento da denúncia contra Geílson Sátiro dos Santos e André Magno Guimarães dos Santos, eles permanecem atuando normalmente nas funções da autarquia. Ainda no texto, o TJPE esclareceu que o processo que tramita na comarca de Catende contra Otacílio Alves Cordeiro, Maria José Alves Cordeiro, Ronaldo Alves Cordeiro e Paulo Alves Cordeiro está em fase de apresentação de defesa prévia para fins de recebimento da denúncia.

Portal G1