quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Mulheres que plantam vida na cidade

Na Região Metropolitana de Recife, apesar de invisibilizadas no planejamento urbano, as práticas culturais relacionadas à agricultura e criação de animais resistem. Estão historicamente bem ali, nos locais e nos sujeitos marginalizados: nas favelas das beiras dos rios e canais poluídos que cortam as cidades; nos pés das pontes; nas carroças que incomodam o tráfego dos automóveis; debaixo das linhas de transmissão de energia; nos conjuntos habitacionais e seus quintais espremidos; nas ocupações de terras urbanas; nos terreiros de religiões de matriz africana.

Ao acompanharmos de perto um pouco da história da luta das mulheres da comunidade Palha do Arroz, no bairro do Arruda, no Recife, capital pernambucana, desde dezembro de 2016, fica evidente que o espaço urbano também é lugar de disputa por bens comuns como terra, água e agrobiodiversidade. Cultivar plantas medicinais e ornamentais em vasilhames, árvores frutíferas na beira do canal, batata doce e milho em áreas públicas abandonadas, construir pequenos currais de porcos e galinhas, por exemplo, têm sido práticas dessas mulheres desde o tempo de suas avós. 

Outra questão de extrema importância socioambiental protagonizada por elas é a luta pela organização da cooperativa de materiais recicláveis EcoVida, através da qual buscam seus direitos enquanto catadoras de materiais recicláveis e sua autonomia econômica e política. Apesar de ser um trabalho estrutural para a gestão dos resíduos sólidos e sobrevivência da cidade, esse é extremamente desvalorizado pela sociedade e poder público o que se expressa na, ainda muito forte, precarização do trabalho dessas mulheres, em sua maioria negras. 

O Centro Sabiá vem se desafiando a construir metodologias e práticas de assessoria técnica no contexto urbano e na perspectiva feminista junto às mulheres da comunidade Palha de Arroz. Compreendendo que a Agroecologia é fundamental para o avanço da segurança alimentar e nutricional, ainda muito distante das periferias urbanas onde convivem a fome e a obesidade. Defendemos que a agricultura urbana agroecológica é um caminho para o Bem Viver e justiça socioambiental.

Entre dezembro de 2016 e junho de 2017 essa frente de ação foi fortalecida com o projeto apoiado pela CESE, “Plantando Mais Vida na Cidade: Agricultura Urbana de base Agroecológica”. Participaram das ações do projeto 26 mulheres de Palha do Arroz entre 14 e 70 anos de idade. 

A implementação de espaços produtivos na comunidade, através dos 14 mutirões agroecológicos e feministas, foi muito positiva na perspectiva da auto-organização e fortalecimento político das mulheres, permitindo sua aproximação e trocas de conhecimentos e experiências. Além da formação em alimentação saudável e Agroecologia, construção de seis espaços produtivos nas casas das mulheres, destacamos a construção da horta comunitária. 

Horta - Quem chega ao antigo pátio abandonado, onde se depositava lixo e entulhos, hoje se depara com a “Horta Comunitária das Mulheres Guerreiras de Palha do Arroz”. Já é possível perceber a presença das borboletas ao redor das lindas flores coloridas de Dona Sonia. Aos poucos vão crescendo as macaxeiras de Nauva, os repolhos de Iris, os milhos crioulos plantados pelas crianças e uma diversidade de plantas medicinais e alimentares. 

Para Lucilene Bandeira, integrante do projeto e fiscal da cooperativa EcoVida, esse se tornou um espaço de saúde e autonomia: “Tem plantas medicinais que servem mais pra saúde do que o próprio medicamento, por isso traz autonomia, é aquela coisa de ter cuidado, ter carinho, ter controle, são coisas que vão nos fazer bem. Eu prefiro tomar o chá das ervas do que tomar um comprimido. Isso tudo é autonomia. Os moradores estão começando a respeitar”, conta. 

Para as mulheres não foi fácil sair de casa para se organizar e ocupar o espaço público historicamente a elas negado. Foram questionadas sobre o sentido de plantar na cidade pelos maridos e vizinhos, e muitas vezes precisaram se desdobrar para realizar os trabalhos domésticos, produtivos e ainda participar das reuniões. Mas acostumadas a enfrentar desafios, carregaram juntas cada madeira pesada utilizada na cerca da horta, sonharam juntas sobre como transformar o espaço da comunidade, prepararam a terra para pouco a pouco florescer a sororidade. 

Nalva conta que a horta foi importante não só para a ocupação e organização das mulheres da comunidade, mas também para refletir sobre a alimentação. “Muitas mulheres eram deprimidas e depois, como minha mãe, e depois da horte ela sai, ela se diverte, sem ter medo de sair. Pra mim foi importante também porque agora temos uma área verde. É uma terapia muito agradável que reúne muitas mulheres. E a alimentação melhorou muito, pois nos aprendemos como se alimentar. Comíamos muita besteira”, lembra. 

Aprendemos que na nossa agroecologia urbana que está se construindo, o feminismo e organização das mulheres é o principal adubo, as histórias de luta e resistência das mulheres negras e catadoras as principais sementes, a autonomia e emancipação das mulheres os principais frutos.


Juliana Funari - Centro Sabiá de Pernambuco