quinta-feira, 20 de julho de 2017

Belluzzo: “Lava Jato e Carne Fraca produziram 5 a 7 milhões de desempregados”

A operação Lava Jato paralisou obras em todo o Brasil, causou desemprego e contribuiu para a desindustrialização do país. Se os governos do PT esboçaram alguma tentativa de superar o desmonte da economia nacional promovido nos anos 1990, esse projeto foi por água abaixo nos últimos dois anos.
Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo apresenta um cenário de desorientação e falta de perspectivas no campo econômico. O golpe de 2016 representou um retrocesso, e as reformas que estão por vir não devem melhorar esse cenário. "É como se o motor do carro começasse a pifar no meio da estrada, e o motorista quisesse consertar a lataria", ironiza.
Professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Belluzzo também é formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e faz parte do conselho deliberativo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
Confira os melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato: A força-tarefa da Lava Jato trabalha com a possibilidade de se recuperar R$ 38,1 bilhões em acordos com pessoas físicas e jurídicas. Esse valor é suficiente para reparar os danos aos cofres públicos?
Luiz Gonzaga Belluzzo: Esse valor não chega nem perto do prejuízo causado à indústria e à economia brasileira. Se você for balançar os efeitos sobre as cadeias produtivas, que foram afetadas pelas decisões da Lava Jato e da Carne Fraca, os R$ 38 bilhões são uma coisa ridícula. Cinco a sete milhões de desempregados foram produzidos por essas ações, além da recessão e da entrega do pré-sal.

Outro efeito desses movimentos, como a Lava Jato, é que se concentrou toda a atenção da sociedade na questão da corrupção, que é algo realmente importante. Mas, como disse o Papa Francisco, não vamos conseguir extirpar a corrupção de uma sociedade cujo maior valor é o dinheiro. É preciso confiná-la, controlá-la.

A relação entre empresas gigantes e o Estado exige uma vigilância muito grande. É preciso "cercar o bicho", sabendo que não tem como matar o bicho. Tratar a corrupção como o único problema da sociedade é um problema.
No caso específico da Lava Jato, o Poder Judiciário não poderia ter evitado os prejuízos que foram causados com a suspensão dos contratos da Petrobras?
Os indivíduos, especializados em suas funções, não são capazes de compreender os efeitos ou as consequências de seus atos. Esse é um fenômeno muito comum na sociedade contemporânea.

Os juízes e procuradores estão praticando, digamos, de boa fé e com boas intenções, uma série de ações que estão produzindo efeitos muito negativos na vida de outras pessoas.

Eu não posso supor que eles estão fazendo isso de má fé, nem na Lava Jato nem na Carne Fraca. Mas isso é muito parecido com as preposições do mercado financeiro e dos seus porta-vozes, a imprensa, que reclamaram um ajuste fiscal a todo custo.

As duas iniciativas são muito parecidas. A economia vinha desacelerando, mas com resultados ainda bem razoáveis em termos de déficit público e de comportamento da dívida pública, que é o que os preocupa, de fato: a dívida pública estava em 53% do PIB [Produto Interno Bruto].

No caso do mercado financeiro, eu não diria que as intenções são tão boas. Os interesses deles pesam mais do que as intenções.
Ou seja, a Lava Jato converge com os interesses do mercado financeiro, mas não está necessariamente orientada por eles?
Ela não está orientada pelo mercado financeiro. Mas essa maneira de pensar, de analisar, nos dois casos está orientada por abstrações que não levam em conta como o mundo concreto funciona. A economia virou isso. Hoje em dia, o que há são elucubrações, não são observações.

Tanto no Judiciário como entre os economistas, nós temos pessoas que não sabem nada do que está sendo discutido em outras áreas. Isso é verdade para os dois campos. Mas não é exatamente uma questão individual: é o tipo de formação que se está dando aos profissionais, especializando demais, e às vezes de maneira ridícula. Não se pode subtrair a economia aos condicionantes sociais e políticos em que ela está metida, assim como o Direito.

Se você olha o currículo dos juízes e procuradores, todos eles tiveram alguma passagem por escolas dos Estados Unidos. E muitos economistas também. Eu conheço pessoas que foram estudar na Alemanha, na França, e o nível é diferente.

O pensar compartimentado tem relação com a escola americana. A filósofa [estadunidense] Martha Nussbaum faz uma crítica muito aprofundada a respeito da degradação do ensino nos Estados Unidos. E não é só ela. O universitário americano está começando a se ressentir disso. E a excessiva especialização também ocorre no Brasil.
Os meios de comunicação, que poderiam oferecer uma análise mais ampla das repercussões da Lava Jato, também não cumprem esse papel.
Todas essas circunstâncias, todas essas condições devem ser levadas em conta para se fazer uma avaliação do que está fazendo aqui. E quem adota os parâmetros da imprensa brasileira fica submetido a critérios de observação da realidade que são absolutamente impróprios.

Tudo foi transformado em uma disputa entre o bem e o mal. Isso é muito ruim, porque o mundo moderno não se compadece dessas separações e oposições. Tanto não se compadece que até mesmo o Papa tem procurado fazer um contraponto. Ele diz que nós não podemos pretender ser perfeitos: nós temos que melhorar. E se nota nas manifestações dos procuradores de Curitiba que eles imaginam que podem, através de uma truculência moral, melhorar o mundo.

Não é condenável querer melhorar o mundo. Ao contrário, é uma coisa justa e boa. A questão é que, para fazer isso, é preciso levar em conta o ambiente em que se opera.

De volta aos efeitos econômicos da Lava Jato, eu inverto aquela frase “há males que vêm para bem”, e digo “há bens que vêm para o mal”. Isso não é uma ironia: é uma constatação.

Se você não tem paciência para compreender os efeitos das suas ações, você vai certamente provocar um mal.
Além de aprofundar o rombo na Petrobras, a Lava Jato paralisou empreendimentos e “quebrou” empresas privadas, acusadas de corrupção. O senhor analisa esses dois efeitos separadamente, ou eles são parte de um mesmo processo de desmonte da economia?
O processo é o mesmo. O Brasil, depois da crise da dívida externa, por razões compreensíveis, sociológicas e culturais, ingressou em outra etapa do capitalismo. Essa etapa é conhecida como período neoliberal e dura até agora, apesar dos fracassos que produziu.

Esse foi um divisor de águas. O Brasil vinha estruturando sua indústria desde os anos 1930, e depois no pós-Guerra, com Getúlio [Vargas] e o Juscelino [Kubitschek], e uma pequena interrupção entre 1961 e 1963. E os militares [a partir de 1964] retomaram o projeto de industrialização, mantiveram o arranjo produtivo institucional entre crédito dirigido, bancos públicos, empresas estatais e articulação com o setor privado. E o “milagre brasileiro” se apoiou nisso, até chegar no [Ernesto] Geisel, que cometeu o pecado do endividamento externo.

E depois da chamada “década perdida”, de várias tentativas de estabilização, vimos uma interpretação simplificada e ideológica do período hiperinflacionário. Vendeu-se a ideia de que era preciso abrir a economia, sem nenhum cuidado, manter a empresa brasileira letárgica à concorrência para ganhar musculatura, e diminuir o papel do Estado. Parecia óbvio que nós precisávamos privatizar tudo.

O essencial é que o governo tucano, do Fernando Henrique Cardoso, desarticulou o arranjo anterior e promoveu a destruição da indústria brasileira. Se, no final dos anos 1980, a indústria tinha quase 25% de participação no PIB, hoje tem 9%. E isso não foi revertido no período subsequente, com o Lula.
O senhor parece considerar os governos PT como parte do período neoliberal, que começou nos anos 1980. Houve tentativas, ao menos, de se retomar o projeto de industrialização do país nos governos Lula e Dilma Rousseff?
Quando eu digo que os governos PT fazem parte do período neoliberal é porque não se tocou em questões fundamentais. Tivemos um movimento de expansão da economia, por conta de um ciclo de consumo mundial que envolvia o ciclo de commodities, e isso o Lula fez muito bem. Ou seja, “puxar” o pessoal de baixo para cima. Os programas sociais melhoraram muito a vida das pessoas.

Mas, em termos de indústria, houve certa hesitação. É claro que ele não contava mais com aquela articulação dos períodos anteriores. Era preciso reconstruir tudo aquilo. Seja como for, o pré-sal foi concebido para fazer esse papel, com o chamado “conteúdo nacional”.
Por que a China, com todas as ressalvas necessárias, conseguiu altos índices de crescimento econômico, e o Brasil não?
A China fez exatamente o contrário do que o Brasil fez, no início do período neoliberal. A China deflagrou o ciclo de commodities, em uma relação simbiótica com os Estados Unidos, e avançou com muita velocidade em todos os setores industriais, usando bancos públicos, empresas públicas e articulação com o setor privado. Foi assim que eles construíram a maior rede de metrôs do mundo, a partir dos anos 1990.
São as empresas estatais chinesas que definem a relação que vão manter com o setor privado. O que aconteceu com a Petrobras, de certa forma, é que se inverteu a relação: as empresas privadas começaram a determinar as políticas da Petrobras. Com o neoliberalismo, houve uma tremenda invasão do privado sobre o público.
A gente costumava dizer, antes do neoliberalismo, que o Brasil era um país que tinha essa gana de construir. Tínhamos um empresariado que era apoiado pelo Estado, muitos deles até criados pelo Estado, e que tinha um compromisso com as suas empresas e com o desenvolvimento nacional. Nós conseguimos desmontar tudo isso, enquanto os chineses estavam montando. E a nossa economia ficou estagnada.
Não vamos nos iludir. A taxa média de crescimento, até os anos 1980, era de 7% ao ano. No período Fernando Henrique, caiu para 2,3%. No período Lula, houve uma corcova em função do choque positivo internacional, mas depois a coisa voltou ao nível normal, por causa desse histórico de destruição da indústria.
E o que se pode esperar das reformas trabalhista e previdenciária, diante da necessidade de recuperação econômica do país?
A reforma trabalhista e a reforma previdenciária não tem nada a ver com o que vai acontecer nos mercados de trabalho daqui para frente. É como se o motor do carro começasse a pifar no meio da estrada, e o motorista quisesse consertar a lataria. Você entende? Pifou o motor, conserta a lataria. Isso é brincadeira! É claro que a economia vai ter suspiros, mas sempre funcionando lá embaixo, porque não tem dinamismo. É só olhar os últimos vinte anos.

A Alemanha está desenvolvendo seu programa de indústria 4.0, a China e os Estados Unidos também, com menos eficácia, e nós aqui estamos fazendo o quê? Não existe nem a suposição de que nós vamos fazer algo parecido.

Estamos, cada vez mais, caminhando para uma economia de quinta classe. Sinto muito, e fico preocupado. A economia brasileira não só está estagnada, como não há nenhuma proposta de mudança estrutural.
Qual a mudança estrutural necessária para o Brasil neste momento, do ponto de vista econômico e industrial?
A mudança passa pelo fortalecimento do Estado. Não se pode esperar, a não ser através da iniciativa clara do setor público, que haja investimentos em tecnologia e inovação, para desenvolver o país. A economista italiana Mariana Mazzucato demonstra que o sistema de inovação exige um aporte muito grande de recursos, tanto humanos quanto financeiros. Porque a inovação tem um risco muito grande, e o Estado tem que mitigar esse risco.

O Ipad, por exemplo, é originário de um investimento da indústria bélica e espacial americana. Depois é que entrou o Steve Jobs, no final do processo.

Eu não estou querendo minimizar, pelo contrário, eu estou exaltando o papel do empresário. Só que, hoje em dia, objetivamente, a articulação é essa.
Economista Luiz Gonzaga Belluzzo


Brasil de Fato