quarta-feira, 5 de abril de 2017

Relatora de projeto de lei sobre isenção de direitos autorais é herdeira de rádios que devem ao ECAD

A deputada federal Renata Abreu (PTN-SP), relatora do Projeto de Lei 3.968/1997, que isentaria igrejas, academias, hotéis, rádios comunitárias e outros estabelecimentos do pagamento de direitos autorais musicais, é herdeira em rádios com dívidas de quase R$ 25 milhões com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Renata, que apresentou há cerca de dez dias um parecer favorável ao projeto, é filha do ex-deputado José Masci de Abreu, proprietário das empresas Sistema Atual de Radiodifusão e Rádio Difusora Atual. Segundo planilha obtida pelo GLOBO, a primeira deve R$ 21 milhões ao Ecad pela execução pública de músicas, e a segunda deve R$ 3,2 milhões.

Na declaração de bens enviada à Justiça Eleitoral em 2014 pela própria Renata, ela aparece com 16% de participação societária na Rádio Difusora Atual, e mais 25% na Rádio Atual, outra empresa do grupo. Ela alega que se desligou da rádio antes de tomar posse, em 2015, e que não vê conflito de interesses entre seu julgamento como parlamentar e os negócios da família. “Renata Abreu exerce com independência e isenção o seu mandato”, resumiu a assessoria da deputada, em nota enviada ontem ao GLOBO. O parecer favorável de Renata Abreu ao projeto foi apresentado há cerca de dez dias, e há expectativa de que seja votado ainda este mês.

O PL 3.968 original propunha a isenção apenas para órgãos públicos e entidades filantrópicas. Ele foi elaborado há 20 anos, em 1997, pelo então deputado federal Serafim Venzon (PSDB-SC), hoje deputado estadual em Santa Catarina. Na época, ainda não havia sido aprovada a Lei 9.610, de 1998, que versa sobre direitos autorais no Brasil.

O projeto teve seis relatores na Câmara antes de chegar, em 2015, a Renata Abreu. O primeiro foi o deputado Paes Landim (PTB-PI), que apresentou parecer contrário em maio de 1998. Ele escreveu: “essas pessoas jurídicas já dispõem de vastíssimas benesses legais, para disporem de mais uma, que traria mais prejuízo aos autores, do que benefícios à sociedade”.

Desde então, o PL entra e sai de pautas de comissões, e nunca foi levado ao plenário. Sua tramitação só se acelerou em setembro de 2015, já com Renata indicada como relatora, quando uma Comissão Especial foi montada para avaliar o texto.

Como é comum em casos em que há propostas similares correndo na Câmara, o PL 3.968 teve outros 44 projetos anexados para apreciação conjunta pelos deputados. A maioria consiste em variações de isenções na execução de música em locais e finalidades diversas. Apenas um, o PL 1.766/2011, de autoria de Otavio Leite (PSDB-RJ), tem uma abordagem distinta, quase oposta do conjunto apresentado: ele sugere que se suspenda a renovação de concessão pública a rádios inadimplentes com o pagamento de direitos autorais.

De todos os 45 projetos, o único que teve parecer desfavorável de Renata Abreu em Comissão Especial foi justamente o PL 1.766.

Em sua análise, a deputada afirma que “a existência de restrições excessivas ao uso e distribuição da obra autoral pode acabar por trazer prejuízos ao próprio titular” e que “a cobrança de direitos autorais não pode ser tamanha a ponto de inviabilizar a atividade comercial exercida pelo usuário”. Ela também critica o Ecad: “É um órgão privado, mas possui poder de polícia. Não cobra tributo, mas tem fiscais capazes de fechar estabelecimentos, aplicar multas e cobrar preços coercitivamente sem a formulação de qualquer contrato prévio com o usuário de direito autoral”.

O Ecad é a entidade que representa compositores, herdeiros, gravadoras e editoras. Seu papel é cobrar os usuários — como casas de show, rádios e emissoras de TV — pela execução pública de músicas e repassar os valores aos detentores dos direitos.

Caso o projeto de relatoria de Renata Abreu seja aprovado, serão isentos, entre outros: rádios comunitárias e educativas, igrejas, templos, eventos religiosos, hotéis, motéis, consultórios médicos, empresas de transporte coletivo, terminais rodoviários, academias de ginástica, clubes sociais, esportivos e de lazer e “eventos restritos a parentes e amigos”.

Ao GLOBO, o Ecad diz preferir não se manifestar sobre o andamento do projeto. Os compositores, por sua vez, se dizem preocupados com a proposta. Tim Rescala lembra que houve uma audiência pública, no fim de 2015, em que os artistas se manifestaram contrários ao texto:

— É lesivo aos autores, injusto, mal escrito e ainda contém pontos que deixam o Brasil em situação delicada internacionalmente, pois desrespeita tratados dos quais o país é signatário. Desencavaram um projeto lamentável de 1997, desrespeitando a opinião da classe e de especialistas que se posicionaram contra ele, preferindo agir de forma oportunista e absolutamente irresponsável.

Frejat também esteve em Brasília para a audiência pública sobre o PL. Ele destaca que o projeto seria um retrocesso para o direito autoral no país:

— Mais uma vez nos vemos frente a frente com lobistas de grupos empresariais que não querem pagar pelo uso da música em seus negócios. Essas alterações são verdadeiras ofensas à dignidade dos autores, além de esbarrar e descumprimento de tratados internacionais assinados pelo Brasil.

A deputada Renata Abreu, por sua vez, defende a proposta. Em nota, ela diz: “É tarefa do legislador estabelecer regras razoáveis e balanceadas, que permitam a remuneração dos autores pela produção de obras criativas, mas sem limitar o acesso da população à cultura em razão do encarecimento da prestação de serviços”.


Jornal O Globo (Rio)