quarta-feira, 19 de abril de 2017

Ato lembra vítimas e pede medidas contra escalada da violência em Pernambuco



Homens vestidos de terno arrastaram a bailarina Bella Maia em meio a um protesto realizado hoje (19) no Recife contra a violência crescente em Pernambuco, de acordo com números divulgados pela própria Secretaria de Defesa Social (SDS) do estado. A cena foi uma das performances apresentadas pelo grupo que organizou o ato. A arte foi usada em várias ocasiões para simbolizar casos de repressão e expor a indignação dos presentes em relação aos 1.522 assassinatos ocorridos entre janeiro e março deste ano.

“Nossa ideia é usar a nossa arte como instrumento para essa discussão, essa exposição pública desse modo absurdo de tratar a pessoa humana”, explica o professor universitário e diretor de teatro Marcondes Lima, 50 anos, um dos organizadores do ato que realizado no início da noite na rua lateral do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual. A frente do edifício e todas as ruas que circundam a praça em frente ao local estavam isoladas por grades e seguranças.

A manifestação foi pequena em número de participantes, mas chamou atenção pelas performances. Mais cedo, por volta de 17h, o grupo entregou um manifesto a Marcelo Canuto, secretário-executivo de coordenação da Secretaria da Casa Civil do governo estadual. “O governador tem que abrir imediatamente um fórum apropriado de debate com a sociedade, especialistas, com a universidade. Nós queremos ainda investimento em prevenção, atendimento das pautas dos policiais e, de outro lado, o reconhecimento que a violência policial também é parte do problema”, enumera a produtora cultural Liana Cirne, outra organizadora do ato.

A assessoria de comunicação do governo estadual disse que não haveria pronunciamento a respeito do ato e informou que o manifesto foi entregue e protocolado. Um dos principais especialistas em segurança pública de Pernambuco, José Luiz Ratton, participou da manifestação. Ele foi o idealizador do Pacto Pela Vida, programa de redução de homicídios lançado em 2007 pelo então governador Eduardo Campos (PSB) que conquistou seguidas reduções dos números da violência em uma época em que outros estados do Nordeste registravam o movimento contrário. Desde 2014, no entanto, os índices voltaram a subir. O total de mortes de janeiro deste ano já tinha sido o maior dos últimos 10 anos.

“O Pacto Pela Vida foi um programa exitoso a partir de um processo de pactuação com a sociedade e com foco na elucidação dos homicídios e governança das polícias. Mas desde o seu princípio, o Pacto foi incapaz de estabelecer metas mais abrangentes, como a construção de programas de prevenção da violência, humanização e modernização do sistema prisional e da Funase [sistema socioeducativo para menores de 18 anos], investimento em inteligência”, disse Ratton, que também é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O sociólogo enumerou medidas emergenciais que poderiam ser tomadas para enfrentar o crescimento da violência no estado, como o fortalecimento do departamento de homicídios e proteção à vida, recuperação da elucidação de casos de assassinatos e articulação com o Ministério Público e a Justiça.

Familiares de Vítimas

Suely Araújo e Wilson Araújo, pais de Mirella Sena de Araújo, 28 anos, também participaram do protesto. Ela foi estuprada e morta no dia 5 de abril. O homicídio ganhou repercussão e o acusado – o vizinho Edvan Luiz da Silva, 32 anos - teve a prisão preventiva decretada um dia depois. “A gente sabe que muitos casos têm ficado no esquecimento. Esse caso que aconteceu com minha filha, de repente por ela ter um grau grande de amizades, foi resolvido rápido, quem cometeu o ato foi preso em flagrante e teve essa repercussão. Mas quantos casos já aconteceram, continuam acontecendo e ficam no esconderijo?”, questionou Wilson Araújo.

O advogado da família de Edvaldo da Silva Alves, de 21 anos, Ronaldo Jordão, também esteve presente. Pretinho Alves, como era conhecido o jovem assassinado em Itambé (PE), levou um tiro à queima-roupa com uma munição de borracha pela Polícia Militar (PM) durante um protesto contra a violência. Um vídeo gravado no momento da ação deu grande repercussão ao caso. Depois de 25 dias no hospital, dos quais a maioria em coma, Edvaldo morreu.

O prazo para conclusão do inquérito e a falta do pedido de prisão preventiva dos policiais que aparecem no vídeo foram questionados pelo advogado. “Tivemos um caso parecido no Rio de Janeiro, onde dois policiais executam duas pessoas em frente a uma escola. Lá já concluíram o inquérito e houve denúncia do Ministério Público. Aqui o inquérito sequer foi concluído, depois de um mês”. Ele também afirma que o município de Itambé continua inseguro e que houve um furto durante o velório de Edvaldo.

Performances

Durante o ato, cruzes e velas foram seguradas por cada pessoa - a maior parte vestida de branco. A bailarina Bella teve os nomes de mulheres assassinadas em Pernambuco neste ano escritos em seu corpo, antes que os atores vestidos de segurança a “retirassem” à força da cena. Depois, socorrida pelo público com gritos de “basta”, a bailarina deitou no chão e teve o corpo coberto pelos colegas de cena.

O cantor Carlos Ferreira reconstruiu o hino de Pernambuco, trocando a palavra "imortal" presente no refrão: “Nova Roma de bravos guerreiros/ Pernambuco mortal, mortal”, enquanto várias pessoas liam o nome e a ocasião da morte de cada uma das vítima. A cantora Isaar interpretou a canção A Carne, de Elza Soares.

A palavra “desconforto” também foi usada repetidas vezes durante as encenações em referência à declaração dada pelo governador Paulo Câmara de que “a situação está muito desconfortável” para se referir à violência no estado. “Espero que o governador pense duas vezes antes de chamar o que está acontecendo de ‘desconforto’, e que depois algo seja pensado para diminuir essa calamidade. É muita omissão para continuar calado”, diz o diretor Marcondes Lima.

Agência Brasil