sexta-feira, 31 de março de 2017

Maria Eduarda, 13 anos, assassinada...

A adolescente Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, aluna da Escola Municipal Daniel Piza, na Pavuna, na Zona Norte do Rio, morreu na tarde desta quinta-feira (30) após ser atingida por uma bala perdida dentro da própria unidade de ensino. Por volta das 18h, moradores da área fizeram uma série de protestos em reação à morte da estudante, causando interdições naquela altura da Avenida Brasil.

Maria Eduarda, que cursava o 7º ano do ensino fundamental, estava participando de uma aula de educação física na escola quando foi baleada, por volta das 17h. Segundo a Secretaria municipal de Educação, a mãe dela passou mal ao saber da morte da adolescente. 

Quando a menina foi baleada, policiais e bandidos travavam um confronto no conjunto habitacional Fazenda Botafogo, na Avenida Professora Sá Lessa, perto do colégio. Não se sabe se o disparo que matou Maria Eduarda partiu de um PM ou de um dos criminosos. De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Militar, agentes do 9º BPM (Rocha Miranda) e do 41º BPM (Irajá) estavam no local.

Segundo a PM, dois homens foram feridos e, com eles, a polícia apreendeu um fuzil e uma pistola. Um vídeo que circula nesta quinta-feira pelo WhatsApp, porém, mostra dois policiais militares executando dois homens deitados no chão, em frente à escola onde Maria Eduarda foi morta. A 2ª Delegacia de Polícia Militar Judiciária (DPJM) investiga o caso e tenta identificar os PMs.

Por volta das 18h, moradores da região realizaram protestos na Avenida Brasil, no trecho perto de Pavuna e Costa Barros. A via foi interditada em diferentes trechos e momentos. Os manifestantes usaram objetos como blocos de concreto e conteineres de lixo para bloquear as pistas. Motoristas dirigiram de marcha a ré, passageiros abandonaram ônibus e houve relatos de assaltos em meio à confusão.

Na Justiça - A família da estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, que morreu após ser baleada dentro da Escola Municipal Daniel Piza, na Pavuna, na Zona Norte do Rio, na tarde desta quinta-feira, disse que planeja processar o Estado e a insituição de ensino pelo ocorrido. Nesta sexta-feira, parentes se reúnem no Instituto Médico Legal (IML), no Centro da cidade, para fazer a liberação do corpo.

— Não queremos dinheiro. Queremos justiça. Nós queremos processar o estado e a escola também. O estado é um sacana. Está todo mundo revoltado (com a morte de Maria Eduarda) — disse o professor Uidsom Alves Ferreira, de 32 anos, irmão da vítima.

Segundo ele, a família passou por uma noite de desespero.

— Ninguém dormiu. Foi só aquela choradeira, muito desespero. Existe apenas essa sensação de perda — contou o professor, que soube da morte da irmã através da ligação de uma tia: — Eu, meu pai e minha mãe estávamos trabalhando. Eu recebi a ligação de uma tia, que me contou o que aconteceu. Quando eu cheguei na escola, já vi aquela cena devastadora.

O irmão de Maria Eduarda, que acusa a polícia pela morte da estudante, disse que todos os moradores da região onde aconteceu o crime estão chocados.

— Viu o que aconteceu ontem? — disse ele, se referindo a manifestação feita na escola por populares após a morte da estudante: — Estão todos querendo justiça. Estamos revoltados. Isso (a morte de Maria Eduarda) foi uma covardia.

De acordo com Uidson, a previsão é que o corpo da irmã seja enterrado no Cemitério Jardim da Saudade, em Édson Passos, Mesquita, na Baixada Fluminense.


O sonho acabou - Um professor que trabalha na Escola Municipal jornalista e escritor Daniel Piza, entre Costa Barros e Acari, conta como foram os momentos após a morte da jovem Maria Eduarda, de 13 anos, atingida por três tiros quando fazia aula de educação física no pátio. Ele descreve o desespero dos alunos, professores e da família da menina, que praticava esporte e, recentemente, havia conseguido uma bolsa para estudar em um colégio particular. Confira o relato: 

"Hoje foi executada com três tiros, pela Polícia Militar, um na cabeça, um na nuca e outro nas costas, uma menina de 13 anos. Dentro da escola, em aula. Não é a primeira e não será a última. Morreu com black na cabeça, camisa e bermuda do uniforme da prefeitura do Rio de Janeiro, e um tênis rosa. Sem mochila ou celular, pois estava indo beber água. Jogava volei, ganhou por isso uma bolsa para ir para um colégio particular como aluna atleta, como diversos outros alunos do colégio conseguiram. Fruto de um trabalho maravilhoso dos professores de Educação Física, a menina começou a ter sonhos. O colégio foi o melhor da CRE, venceu jogos e campeonatos contra colégios particulares, trouxe 9 medalhas das 10 modalidades que participou no ano passado. Foi o destaque. Ela era da equipe. Mas, morreu.

"Com ela morreu seus sonhos e a esperança de diversas outras crianças, que experimentaram hoje o ódio e o desejo de vingança pela covardia sofrida. Todo trabalho de 6 anos do colégio na comunidade, todo o trabalho de 3 anos da equipe de Educação Física e direção, toda credibilidade que tinham, morreram ali.

"Eu sairia as 16h20, estava com a turma de 6º Ano. Ouvi três tiros de pistola. Coloquei todos sentados e em silêncio, em local seguro. Ouvi mais rajadas de fuzil. Gritos. Controlando a turma, boatos vinham, diziam: 'menina baleada'. Disse a turma que iria averiguar e eles esperassem. Concordaram. Um funcionário, pai de aluna, que veio três vezes a turma para ver a filha e pedir que não saísse dali, estava no corredor. Perguntei a ele o que realmente havia acontecido, ele pegou no meu braço e disse: quer ver o que aconteceu? Olhe ali embaixo. Vi o corpo e a poça de sangue. Morta. Voltei a turma. 

Confirmei o boato. Vi ainda na quadra o professor de Educação Física com os outros alunos abrigados e abaixados. Na primeira pausa do tiroteio, que não acabou durante toda a tarde e noite, os alunos foram liberados para casa. Mas a troca de tiros não parou. Alunos, pais, familiares, curiosos, vizinhos e bandidos queriam ver o corpo, entrar na escola. Uma multidão que nunca vi ali, e sempre se renovava. Uma multidão.

"Muita dor, revolta, desespero, ajuda... gás de pimenta, coquetel molotov, tiros, fogos, gritos...muitos gritos. Muita gente desesperada, muita gente desmaiando. O inferno. Fogo na rua, barricadas, ônibus e carros queimados. Tiros. Execução sumária. Revolta. Justa revolta. E nós, professores e funcionários, ali. Muito ódio. Justo ódio. E ela, morta.

"Esta política de "combate às drogas", mata. Morre policial, morre traficante, morre inocente. Lucrando com ela, uma minoria de políticos e "empresários" da "boa sociedade", que fornecem armas e drogas para os dois lados. Vendem a ideia de que vivemos em uma "guerra", para atuarem livremente. Encontram eco nos discursos conservadores que dizem que "bandido bom é bandido morto", que "favelado é criminoso", que "direitos humanos só servem para proteger bandidos", que a "polícia deve ser justiceira contra bandidos"... Se você defende isso, parabéns!, seu desejo foi realizado: seu dedo ajudou a puxar o gatilho do fuzil que matou Maria. Ela virará estatística: mais uma preta, pobre e favelada que morreu. Junto com ela o humano deste ser. Nesta lógica do olho por olho, ficamos todos cegos.

"O ódio classista, o ódio contra a favela, o ódio contra o pobre, voltará. A favela dará o retorno. A indiferença, o descaso, o descompromisso com ela, terá volta. Não terá controle. Não há paz sem justiça social. Não há sossego possível com esta omissão estrutural e esta política de extermínio. Ou mudamos tudo, ou nada mudará.

"A família gritava: "a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro matou minha irmã "; "a favelada que estuda tá aqui morta, enquanto isso, aquela criminosa foi solta para cuidar do filho dela"; "Queria ver se fosse na Zona Sul, se isso aconteceria, se as pessoas seriam tratadas assim". O que dizer? Justo. Muito justo e lúcido.

"Muitas coisas me doeram hoje: a menina que morreu; a dor de cada membro da família que chegava - cada grito de desespero era uma nova morte; o desespero e perplexidade dos alunos vendo o corpo, deitados no chão, e não sabendo o que fazer; a insensibilidade dos policiais militares que, nem ao lado do corpo da criança, pararam de rir, zombar e atiçar a dor da população; o despreparo e, ao mesmo tempo, o amor e empatia dos professores e funcionários para lidar e ajudar na situação; a impotência diante desta estrutura asfixiante e imobilizante. Mas nada se comparou a dor sentida ao ler a mensagem que recebi do professor que mudou o colégio com sua nova forma de organizar a Educação Física, dando esperança a dezenas de alunos-atletas, que até então eram apenas "péssimos alunos" ou "projeto de marginais": "Obrigado, Júnior. Mas a minha pergunta é: do que adiantou eu ajudar ela a sonhar?"





Com informação dos jornais Extra e O Globo (Rio)