terça-feira, 21 de março de 2017

Doutor em Ciências Penais explica porque a condução coercitiva de Eduardo Guimarães é ilegal

Nota do Blog: A matéria a seguir é um artigo do advogado criminalista e doutor em Ciências Penais, Leonardo Yarochewsky, cujo artigo reproduzimos abaixo, que explica a ilegalidade da condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães. Yarochewsky foi professor da PUC Minas, de onde foi demitido em novembro do ano passado depois de 26 anos de casa, e afirmara que a causa de sua demissão seja o seu posicionamento político. Na ocasião, centenas de alunos fizeram um abaixo assinado e colegas juristas lhe prestaram solidariedade. Este artigo foi originalmente publicado pelo site Empório do Direito



Estado de exceção, censura e autoritarismo:
amordaçaram a cidadania

1 – Dos fatos:

A Polícia Federal em São Paulo cumpriu na manhã desta terça-feira (21), na capital paulista, mandado de condução coercitiva contra o blogueiro Eduardo Guimarães. Ele é editor do “Blog da Cidadania”. Eduardo Guimarães tem uma trajetória política na defesa dos direitos fundamentais, defensor de bandeiras da esquerda, além de severo crítico de política de Michel Temer (PMDB) e dos questionáveis métodos utilizados pela Operação Lava Jato, que acaba de completar três anos.

Segundo consta, Eduardo Guimarães que também concorreu à Câmara de Vereadores de São Paulo, na eleição de 2016, pelo PCdoB – na chapa do então candidato à reeleição, Fernando Haddad (PT) – foi levado pela Polícia Federal sob a “acusação” de suposto vazamento de informação sobre a condução coercitiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorrida em 04 de março de 2016.

Tudo indica que a arbitrária, abusiva e autoritária condução coercitiva de Eduardo Guimarães, além de apreensão de computadores e telefones celulares seu e de familiares, tem como intento abjeto forçar que o conduzido revele suas fontes.

2 – Da repercussão:

“Ação de Moro que determinou a prisão do blogueiro Eduardo Guimarães é clara violação da Constituição Federal e afronta o Estado Democrático de Direito”, protesta o deputado Paulo Pimenta (PT-RS); o motivo é a investigação da fonte que vazou para Guimarães a condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março do ano passado; o juiz Sergio Moro, que autorizou a condução coercitiva contra Guimarães, argumentou ao deputado Paulo Teixeira (PT-SP) que Guimarães não é jornalista; “Dr. Moro, o Brasil não exige formação específica para o jornalismo. Isso é censura“, criticou Teixeira;[1]

A Bancada dos deputados estaduais na Assembleia Legislativa de São Paulo divulgou a seguinte nota:

A Bancada dos deputados estaduais na Assembleia Legislativa se junta ao elo de protestos e indignação ao atentado à democracia e a liberdade de imprensa que atingiu o blogueiro Eduardo Guimarães, editor do Blog da Cidadania levado coercitivamente à Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, nesta terça- feira, às 6h da manhã. Aos moldes dos tempos sombrios da ditadura militar, o blogueiro está incomunicável, sem acesso a advogados e direito de e direito de defesa, sob a acusação de supostos vazamentos sobre a condução coercitiva do ex- presidente Lula, em março do ano passado”, diz a nota, que chamam a ação da PF de “censura” e a classificam como “autoritária”.

3 – Do direito ao sigilo da fonte: 

Segundo a Constituição da República “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (art. 5º, XIV).

O sigilo da fonte não é um privilégio de jornalistas, mas “meio essencial de plena realização do direito constitucional de informar”. Para o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, trata-se de uma prerrogativa dos profissionais da imprensa, a ser usada “a critério do próprio jornalista, quando este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional”.[2]

Por isso, assevera Celso de Mello, é dever do Estado e do Poder Público respeitar esse direito, que se origina na própria Constituição da República.

O ordenamento constitucional brasileiro, por isso mesmo, prescreve que nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, e como precedentemente assinalado, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte. 


Data de publicação: 11/12/2015

Ementa: E M E N T A: RECLAMAÇÃO – ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DO JULGAMENTO PLENÁRIO DA ADPF 130/DF – EFICÁCIA VINCULANTE DESSA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – POSSIBILIDADE DE CONTROLE, MEDIANTE RECLAMAÇÃO, DE ATOS QUE TENHAM TRANSGREDIDO TAL JULGAMENTO – LEGITIMIDADE ATIVA DE TERCEIROS QUE NÃO INTERVIERAM NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – JORNALISMO DIGITAL – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – DIREITO DE INFORMAR: PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE SE COMPREENDE NA LIBERDADE CONSTITUCIONAL DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DE COMUNICAÇÃO – INADMISSIBILIDADE DE CENSURA ESTATAL, INCLUSIVE DAQUELA IMPOSTA PELO PODER JUDICIÁRIO, À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, NESTA COMPREENDIDA A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA – TEMA EFETIVAMENTE VERSADO NA ADPF 130/DF, CUJO JULGAMENTO FOI INVOCADO, DE MODO INTEIRAMENTE PERTINENTE, COMO PARÂMETRO DE CONFRONTO – PRECEDENTES – SIGILO DA FONTE COMO DIREITO BÁSICO DO JORNALISTA: RECONHECIMENTO, em “obiter dictum”, DE QUE SE TRATA DE PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUALIFICADA COMO GARANTIA INSTITUCIONAL DA PRÓPRIA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO –

Encontrado em: monocráticas citadas: (LIBERDADE DE IMPRENSA, INTERVENÇÃO JUDICIAL, SIGILO DA FONTE) Inq 870. (ADPF 130) Rcl 

Ressalta-se que embora Eduardo Guimarães não tenha o diploma de curso superior em jornalismo, já exerce a atividade jornalística há mais de uma década através, inclusive, do seu Blog da Cidadania.

Não é despiciendo salientar que o STF por 8 votos contra 1 já decidiu sobre a matéria conforme amplamente noticiado na mídia. O então ministro Carlos Ayres Britto ressaltou que o jornalismo pode ser exercido pelos que optam por se profissionalizar na carreira ou por aqueles que apenas têm “intimidade com a palavra” ou “olho clínico”. O ministro Celso de Mello afirmou que preservar a comunicação de ideias é fundamental para uma sociedade democrática e que restrições, ainda que por meios indiretos, como a obrigatoriedade do diploma, devem ser combatidas.

Assim, a alegação de que Eduardo Guimarães não é jornalista, é apenas e tão somente uma tentativa vil de retirar dele os direitos assegurados na Constituição da República e proclamados pelo STF para quem exerce a atividade independente de formação superior. 

4 – Da condução coercitiva: 

A condução coercitiva utilizada ilegalmente como forma de coação e espetacularização, tem sido decretada rotineiramente e a margem da lei na operação “Lava Jato”. Quando o ex-Presidente Lula, no dia 4 de março de 2016, foi conduzido coercitivamente, por determinação do juiz Federal Sérgio Moro, inúmeros juristas questionaram e criticaram a medida coerciva. Por todos, Lenio Luiz Streck para quem:

o ex-presidente Lula e todas as pessoas que até hoje foram “conduzidas coercitivamente” (dentro ou fora da “lava jato”) o foram à revelia do ordenamento jurídico. Que coisa impressionante é essa que está ocorrendo no país. Desde o Supremo Tribunal Federal até o juiz do juizado especial de pequenas causas se descumpre a lei e a Constituição. [3]

Mais adiante, Lenio assevera que:

A polícia diz que foi para resguardar a segurança do ex-presidente. Ah, bom. Estado de exceção é sempre feito para resguardar a segurança. O establishment juspunitivo (MP, PJ e PF) suspendeu mais uma vez a lei. Pois é. Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. E o estado de exceção pode ser definido, segundo Agamben, pela máxima latina necessitas legem non habet (necessidade não tem lei). [4]

Ao indagar sobre a motivação da figura da condução coercitiva, Alexandre Morais da Rosa e Michelle Aguiar, observam:

Por mais que se negue, é nítido que há a configuração de verdadeiro meio cerceador de liberdade, ainda que seu caráter seja temporário. Além disto, essa prática constantemente se traduz como mecanismo intimidatório frente ao investigado, muitas vezes sendo utilizada para que dele se “extraída a verdade”[1]. Representaria, portanto, claro resquício da matriz inquisitiva.

“Ocorre que tal procedimento não é autorizado, sequer, pelo vetusto, autoritário, inquisitorial e fascista Código de Processo Penal de 1942, pois o art. 260 só autoriza a tal condução coercitiva se o acusado (ou o indiciado) “não atender à intimação para o interrogatório”, situação diversa da decorrente de flagrante delito em que o suspeito pode ser conduzido para autoridade policial (CPP, art. 6º III, V e art. 144, § 4º, da Constituição da República). Aliás, a regularidade da ação policial tão logo cometido o crime já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (HC 107.644/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski)[i], [5]

Em outro artigo Alexandre Morais da Rosa e Rômulo de Andrade Moreira afirmam que:

É uma pena que os atores processuais e a doutrina nacional tenham se acostumado (e se calado, em sua maioria, ao menos) com esta prática judicial consistente na expedição de mandados de condução coercitiva em relação a investigados desprovido de fundamento legal. No atual ordenamento processual penal brasileiro, tal proceder só é possível se houver desobediência da testemunha e da vítima, nos exatos termos dos arts. 218, 219 e 201, do Código de Processo Penal, ou ao conduzido na modalidade de flagrante delito, sob pena de grave violação da Constituição Federal e dos Pactos Internacionais. É preciso que o Supremo Tribunal Federal seja urgentemente acionado para que cesse esta prática odiosa, em sede de controle difuso de constitucionalidade (ou mesmo de convencionalidade), porque a invocação do Habeas Corpus n. 107.644-SP, como legitimador da prática é um engodo. Por fim, com alguns defendendo a investigação pelo Ministério Púbico e mesmo pela Polícia Militar, em breve, a condução coercitiva será determinada em situações inimagináveis. Logo, condução coercitiva de investigados é abusiva e ilegal.[6]

A condução coercitiva do cidadão Eduardo Guimarães foi mais um assalto contra a Constituição da República cometido pelo juiz Federal Sérgio Moro.

5- Conclusão: 

Diante de mais esta arbitrariedade cometida no seio da operação “Lava Jato” por determinação de um juiz Federal, sem que o Supremo Tribunal Federal tenha, até o momento, agido para conter o avanço do estado de exceção, necessário será recorrer aos tribunais internacionais para que possa prevalecer no Brasil o Estado democrático de direito, que tem na manifestação do pensamento, na criação, na expressão e informação, um dos seus mais sagrados pilares.

Notas e Referências:




[4] Idem.