segunda-feira, 27 de março de 2017

De amaciante que repele insetos a banco comunitário, jovens cientistas inovam

Amaciante de roupas que repele o mosquito Aedes Aegypti, sachê de purifica a água em 12 minutos, rampa portátil para que cadeirantes subam com facilidade qualquer degrau e um banco comunitário que facilita o microcrédito para fomentar pequenos comércios locais. Estes são alguns dos 346 projetos inovadores desenvolvidos por cientistas de 13 a 20 anos, de todos os estados, com um único objetivo: encontrar soluções para problemas de suas comunidades e ajudar as pessoas a viver melhor.

Os 763 jovens cientistas apresentaram seus protótipos para estudantes e profissionais de áreas tecnológicas ao longo dessa semana na 15ª edição da Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace), a maior do país na categoria, realizada na Escola Politécnica de São Paulo, na Cidade Universitária, zona oeste da cidade. Ainda hoje (24) o corpo de jurados selecionará projetos para representar o Brasil na Feira Internacional de Ciências e Engenharia em Los Angeles, nos Estados Unidos, em maio. Na edição do ano passado foram 13 representes brasileiros, dos quais 10 foram premiados. Participam da feira 70 países e só 20% deles ganham prêmios.

“Temos assistido ao problema do aumento de doenças provocadas por mosquitos: zika, dengue, chicungunha e febre amarela, e por isso começamos a pesquisar sobre substâncias repelem insetos. Daí tivemos a ideia de desenvolver um repelente que fosse misturado ao amaciante de roupas, comumente usado pela população”, conta Luana Engelmann, de 17 anos, que em 2016 concluiu o curso técnico de Química no Senai de Joinville (SC).

Preocupados em resolver um problema que afeta milhares de pessoas, Luana e mais dois colegas de curso chegaram a uma fórmula a partir princípio ativo IR 3535, que misturado ao amaciante foi capaz de manter as roupas com toque agradável e manter os mosquitos longe. Os cientistas também fizeram testes na pele de voluntários e nenhum apresentou alergias.
Ideias

“Fizemos testes em três armadilhas de mosquitos: uma com um tecido lavado com nosso amaciante, outra com um amaciante convencional e outra com um tecido lavado só com água. Apenas na armadilha com o produto que desenvolvemos, os insetos se concentraram na parte de cima, tentando se afastar do tecido, o que comprou a efetividade do produto”, relata Luana, que hoje estuda Engenharia Química. Outros testes mostraram que o amaciante não manchou a roupa. “Queríamos desenvolver algo que ajudasse as pessoas”, disse.

Foi o mesmo princípio que moveu estudantes da escola municipal La Salle, em Sapiranga (RS) a desenvolverem uma rampa portátil para que cadeirantes possam subir degraus com facilidade e autonomia. “Temos na cidade um vereador com deficiência física que instalou placas nas vagas reservadas com a proposta: ‘você trocaria de lugar comigo?’ Nós aceitamos a proposta”, conta o estudante Lucas Richet, de 14 anos.

Os estudantes foram para o centro da cidade conversar com cadeirantes e testar cadeiras de rodas. “Percebemos que de fato a locomoção é difícil por haverem poucos locais adaptados. Então pensamos em criar uma rampa portátil, que fica acoplada embaixo da cadeira de rodas e que os cadeirantes possam usar em qualquer lugar”, completa a estudante Eduarda dos Reis, de 13 anos.

O protótipo foi testado por pelo menos 40 cadeirantes, que aprovaram a ideia e sugeriram que ele fosse feito de alumínio para ficar mais leve e com materiais com superfície antiderrapante. As sugestões foram acatadas, dando origem ao segundo protótipo, com altura regulável de 13 a 21 centímetros. “Esse protótipo nos custou R$ 200, mas acreditamos que, se produzido em larga escala, poderia ser mais barato, para mais pessoas terem acesso”, conclui a estudante Luana Gabrielli Boes, também de 14 anos.
Autoestima

“O Brasil não conhece o Brasil. Temos um problema de autoestima e de passividade de ficar esperando uma solução mágica para resolver os problemas e ela não vai aparecer. Claro que de cima para baixo precisa melhor as políticas, mas é muito importante que de baixo para cima a gente tenha pessoas que usem o método científico para vida, não necessariamente para uma carreira científica, mas para tomar decisões baseadas naquilo que estou observando e analisando em profundidade”, diz a coordenadora da Febrace Roseli de Deus Lopes.

Foi a partir da observação da realidade do seu município que um grupo de estudantes também do Senai de Joinville desenvolveu um sachê químico que transforma água de rios, lagos, açudes e sistemas em água potável, em apenas 12 minutos, corrigindo 13 parâmetros impostos pelo Ministério da Saúde para a qualidade da água. “Na nossa cidade muitas pessoas moram em bairros de ocupação e usam água de poço porque não há abastecimento, por isso desenvolvemos essa substância”, conta a estudante Djenifer Karolayne, de 17 anos, que pretende patentear a invenção junto com os colegas e o Senai.

Para cada litro de água que se quer purificar, basta adicionar o pó químico presente no sachê e em poucos minutos o pó se une às impurezas e as leva para o fundo da vasilha, por meio de decantação. As impurezas são então removidas com filtro de coar café ou tecidos limpos. Testes realizados comprovam que o composto elimina a presença de amônia, cloretos e coliformes fecais sem prejudicar a saúde humana. “Ela pode inclusive otimizar processos produtivos que demandam água”, planeja.

“Comecei a trabalhar com crianças antes de entrar na universidade porque se não trabalharmos esse espírito empreendedor, quando eles entrarem na universidade estarão apáticos, estudando para resolver o problema individual de ter uma emprego e não para transformar o mundo para melhor”, diz Roseli. “Acompanhamos esses jovens depois da feira e muitos têm uma trajetória totalmente diferenciada. No final do ano, uma delas se formou em Biologia e aprofundou o trabalho que tinha apresentado aqui. Ele foi publicado nos Estados Unidos e ela entrou direto no doutorado na Universidade de Oxford. Outra foi direto para o doutorado na Universidade da Pensilvânia (também nos EUA). Lá fora eles veem que são alunos diferenciados e pegam.”

De Maripá (PR), dois jovens do Colégio Estadual Pio XI trouxeram para a Febrace um projeto inovador. “Queremos que as pessoas possam verificar em suas casas se estão de fato comendo produtos orgânicos ou não, já que eles custam mais caro”, conta o estudante Matheus Thim, de 16 anos. Para isso, ele e a colega Maria Fernanda Baumann apresentaram na feira uma fita que, misturada a um composto químico desenvolvido pelos jovens, muda de cor de acordo com a presença de agrotóxico.

Depois de ter contato com a substância de análise, a fita fica azul escura. Ela então deve ser friccionada à hortaliça por 30 segundos. Se o alimento for 100% orgânico, a fita ficará azul mais claro, porém, se for atestada a presença de agrotóxicos, ficará verde.

“Temos uma mania de subdesenvolvimento. É como se disséssemos ‘eu posso consumir, mas saber como funciona é para os coreanos, eles são muito inteligentes’. A gente precisa mudar essa cultura, precisamos de investimentos e de política pública”, diz a coordenadora do evento, Roseli de Deus Lopes. Em um recado para os professores, ela pede: “valorize a pergunta do aluno, porque as coisas não são óbvias, a humanidade demorou séculos para descobrir muitas coisas.”

A coordenadora geral de Popularização e Divulgação da Ciência, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Leda Cardoso, concorda. “O Brasil custou muito a começar a investir em ciência e ainda está atrasado em relação a outros países. Os pesquisadores têm muitas dificuldades com apoio, poucos recursos, falta de equipamentos e muita burocracia, mas em relação a fazer a ciência chegar na criança é uma coisa cultural, que as pessoas ainda não entendem o benefício. Para ser cientista tem que começar de pequeno perguntando: ‘Por que o mar é salgado?’”, diz.

“É importante dizer que o país precisa de mais investimentos nessa área. A gente teve picos em 2013 e 2014, mas de lá para cá vem caindo muito. As feiras de ciências estão com orçamento muito reduzido. Até certo ponto conseguimos sem dinheiro, mas a partir daí não dá mais e são necessários investimentos e investimentos de forma continuada, senão acaba destruindo tudo o que se levou anos para construir”, diz Leda.

Rede Brasil Atual