quarta-feira, 20 de junho de 2012

A foto que irritou Luiza Erundina, a mesma que ilustra este post, foi exigência do Maluf


Na reunião em que informou à direção do PSB que decidira apear da chapa de Fernando Haddad, Luíza Erundina queixou-se de Lula. Acolhida como vice da coligação petista num ato que não contara com a presença do líder supremo do PT, ela revoltara-se com o tratamento fraternal dispensado a Paulo Maluf. Para recepcionar o desafeto na caravana, Lula acompanhou Haddad na incursão à casa do neoaliado. Pior: os três fizeram poses para as lentes dos fotófragos.
As fotos que inspiraram o pretexto de Erundina, a breve, foram uma exigência de Maluf. Para fechar negócio com o PT, entregando a Haddad o tempo de tevê do seu PP, Maluf cobrou transparência. Estava incomodado com as insinuações que o transformavam num parceiro tóxico. Impôs à transação a luminosidade de um encontro às claras, arrematado com apertos de mão. Tudo com o indispensável testemunho da imprensa.
Poucas vezes o significado do gesto, surgido do costume dos cavaleiros medievais de estender vazia a mão direita –a que segura a espada— como prova da intenção pacífica dos interlocutores, esteve tão próximo de suas origens. Defronte da casa do ex-inimigo, sob a luz do sol, o aperto de mãos de Lula e Maluf uniu dois velhos guerreiros num armistício firmado sob o signo da conveniência eleitoral.
Como queria Maluf, deu-se publicidade a um acordo que o petismo preferia selar à sombra. Consultado, Lula recomendou à assessoria que não veiculasse a imagem no seu site oficial. Para o Instituto Lula, foi como se o encontro não tivesse existido. À sua maneira, o dono do espaço informou à audiência que cedera aos caprichos de Maluf a contragosto.
Nessa versão, difundida pelo generalato do PT, Lula seria apenas um realista obrigado pelas circunstâncias a lidar com um personagem político notoriamente desqualificado, adotando seus meios para fins nobres. O diabo é que, para Erundina, a dialética do método destruiu a pouca esperança de transformação embutida na mensagem de Haddad, escorada no “novo”.
O PSDB vivenciara experiência análoga em 1998. Candidato à reeleição, FHC empenhou-se numa articulação para ampliar a coligação de partidos que o havia apoiado quatro anos antes. A expansão incluiu Maluf, que disputava o governo de São Paulo contra o tucano Mario Covas. Graças a esse acerto, a campanha eleitoral foi marcada pela espetacular reunião, num mesmo outdoor, em São Paulo, de FHC e Maluf –um re-candidato ao Planalto, outro ao Bandeirantes.
A exemplo do que ocorre agora com Lula e o petismo, jamais FHC e o tucanato haviam sido espicaçados assim, de maneira tão gráfica, com as consequências de sua elástica política de alianças. Num evento público, com a presença de FHC, André Franco Montoro Filho, à época um integrante do governo Covas, filho do ex-governador de mesmo nome, tachou a foto exibida no outdoor de “revoltante”. Covas também comentou a imagem, fruto de uma montagem de computador: “O que se pode fazer? Eu apenas, quando olho para aquilo, tenho recordações bíblicas.”
Nessa ocasião, o partido de Maluf, então chamado de PPB, dava ao governo FHC o mesmo apoio congressual que o PP deu às gestões de Lula e que agora dá à administração de Dilma Rousseff. O constrangimento que convulsionou a alma de Erundina também já foi experimentado pela companheira Marta Suplicy. Deu-se em 2004, ano em que Marta disputou a reeleição à prefeitura de São Paulo.
Levada pelo eleitor a um segundo turno contra o tucano José Serra, Marta recebeu a inusitada adesão de Maluf. O apoio indigesto também veio acompanhado de um adorno gráfico. Maluf pôs para circular na cidade de São Paulo uma frota de kombis revestidas com cartazes nos quais aparecia ao lado de Marta.
Em entrevistas da época, Marta reagiu à moda de Erundina: “Não me sinto confortável. Não busquei o apoio dele, não autorizei ninguém a conversar com ele. Teve um acordo partidário PP-PT em nível federal e uma iniciativa do Maluf. Me trucidam por uma coisa que não fui buscar. Não sei os motivos dele para esse apoio. Deve ter algo muito sério com o Serra. O apoio dele é muito mais contra o Serra do que a meu favor.”
Faltando-lhe melhores argumentos, Marta evocou 1998: “Mas é bom lembrar que quando os tucanos foram pedir o apoio de Maluf e pagaram os outdoors na cidade inteira do Maluf com o Fernando Henrique Cardoso, eu não vi ninguém tão indignado não. É só essa lembrancinha para saber: dois pesos e duas medidas.” Foi para não correr o mesmo risco de ser apresentado agora como apoiador voluntário que Maluf exigiu a formalidade do aperto de mãos com registro fotográfico. Fernando Haddad está impedido de mimetizar Marta ‘Não Busquei o Apoio Dele’ Suplicy.
Ao ser informado, na semana passada, de que o PSB indicara Erundina para vice de seu pupilo, Lula farejara o cheiro de queimado. “Vai dar problema”, comentou com um amigo petista, recordando o temperamento mercurial da ex-petista. A cúpula do PSB também não ignorava os riscos.
Erundina foi à chapa de Haddad por insistência de Roberto Amaral, ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Lula e vice-presidente do PSB federal. Companheiros de partido alertaram para o ‘efeito pavio curto’. Mas Amaral insistiu. E o governador pernambucano Eduardo Campos, presidente do partido, decidiu pagar para ver. A encrenca chegou com a velocidade de um raio. Quatro escassos dias.
Lula e os operadores da campanha de Haddad enxergaram na explosão da ex-vice um quê de “oportunismo”. Argumentam que, ao incorporar-se à chapa, na sexta-feira (15), Erundina já sabia que a brincadeira incluiria Maluf. Na entrevista coletiva, as perguntas rodopiaram em torno do personagem. Em privado, Erundina responde à inquietação com uma interrogação: precisava tirar as fotos?
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